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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Só mais um

Pequenas gotas de sangue caíam da ferida aberta no seu pulso, sujando a tijoleira. Mas isso não a preocupava. Finalmente, tinha-se castigado. Ainda à pouco tinha passado por estúpida por telefonar a uma "amiga". Tinha dado (de certeza) a entender que era algo mais urgente, e quando confrontada com a estúpida pergunta a "amiga" tinha-lhe dito coisas que não a fizeram sentir melhor. Em vez de um problema, agora tinha dois. Sim, aquele era sem dúvida o castigo certo.

Era a primeira vez que ela se castigava por um erro que ela tinha cometido. Por ter sido estúpida. Dantes, castigava-se por acreditar demasiado nas pessoas, e por elas lhe fazerem mal. Mas daquela vez foi diferente. E isso preocupou-a.

A faca caiu ao chão com um barulho seco, e a tijoleira contava agora com mais gotinhas de sangue.

Instintivamente, levou a mão ao braço. Uma lágrima caiu dos seus olhos, e a pergunta surgiu:

"Porquê?"

As lágrimas caíam na ferida, misturando-se com o sangue.

Foi aí que começou a sentir raiva. E essa raiva tornava-a poderosa. Pegou na faca, e cortou-se de novo.

A dor física substituiu a dor psicológica, e conseguiu imagimar-se a voar por entre as nuvens. Mas essa sensação rapidamente passou.

"PORQUÊ? SERÁ QUE NÃO SEI ESTAR CALADA? PORQUE NÃO GUARDAR AS COISAS PARA MIM?"

"Mais um? Por favor, deixa-me cortar-me mais uma vez!", implorou à sua consciência.
"Está bem..."

"Pronto... O último, prometo!"

E ao voar no céu encontrar-se-ia com quem a ame. Quem lhe dê o que precisa sem sequer precisar de pedir. Como ela gostava que a Lili desse...

"NÃÃÃÃÃOOOOO"

Mais fundo. Mais longo. Sim... Mais um corte...

Um sorriso irónico passou pela sua cara. "E a Sissi que dizia que eu era normal, e que não tinha qualquer problema mental.... Sim... Eu não estou bem... Desde que nasci só faço asneiras... A culpa é minha... *corte...*. Tenho culpa por o meu pai me ter violado, *corte*, por a minha mãe me ter abandonado, *corte*, por ele ter acabado comigo *corteeee*, e por ter acabado com a minha vida. Corte? Não... Já não é preciso! Já morri..."

(antes que seja tarde demais...)

By: Triguinha

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Dia das Bruxas

Duas raparigas, iam a caminho de casa à noite depois de uma sessão de cinema, virando muna rua, ao longe, vêem uma coisa que de inicio não percebem o que será, mas de repente parece ser uma pessoa no colo de outra com as pernas à volta da cintura. Nisto diz uma para a outra:
- Olha, olha, ali estão duas pessoas na “marmelada”, vamos para o outro lado para não interromper-mos, mas, quando passar-mos olha-mos pelo canto do olho para ver quem é!
No entanto, à medida que se aproximavam, aquele vulto começava a ganhar formas, descomunais, mas continuava a parecer uma pessoa vestida de preto.

Quando chegaram perto, mesmo em frente, viram que era uma pessoa toda vestida de preto com cabeça e membros normais, mas o corpo era enorme, como se fossem duas pessoas agarras. Alem disso, na cabeça os olhos brilhavam como luzes. Eram chamas de isqueiro...
Nisto, o cão da casa de frente começa a uivar e as luzes da estrada vão abaixo num estrondo ruidoso como um tiro, assustadas, começam a correr pela estrada fora. À medida que iam avançando na estrada em direcção a casa, as luzes iam-se apagando, onde houvessem cães, começavam a uivar. Quando chegaram a casa, bateram ás portas e janelas com toda a força que tinham, mas estava toda a gente na cama, e por incrível que pareça ninguém ouviu os gritos de desespero, e saiu para acudir.
- Oh mãe! – Gritava uma delas desesperada, chamemos-lhe “Ana”. – Parece que estão todos no sono da morte...
Nisto, do fundo do quintal da casa, soaram umas gargalhadas por entre a escuridão, gargalhadas de mulheres. Ambas ouvem as risadas femininas mas só “Ana” conhece as vozes. De repente a porta de casa abre-se e entram disparadas, era a mãe de “Ana”. Passados alguns minutos foram-se deitar, já ia alta a noite. Depois de já toda a casa estar de novo a dormir, ouve-se de novo elas a gritarem:
- Socorro!
A mãe de “Ana” entra no quarto e com a mão na porta diz:
- Não tenham medo de nada, não vos acontece nada.
Entra no quarto e põe-se de frente a elas, nisto:
- Ele está aí aos pés da cama, você pôs-se ai mesmo à frente dele. – Diz a outra rapariga...
Isto passou-se e durante algum tempo não voltou a acontecer. Mas, umas semanas depois, enquanto tentava dormir, “Ana” sentia um bafo na cara e a roupa a fugir-lhe, quanto mais puxava a roupa para se tapar, mais ela fugia... Uma semana depois foi internada no sanatório para morrer, porque saia-lhe sangue pela boca e pelo nariz, “Ana” teria mais ou menos 18 anos.
Ainda hoje, “Ana” está em casa e alem de dormir destapada, sente que alguém está ao lado dela. Até os seus cães rosnam e ladram para algo que parece não existir...

Esta história é verídica, talvez a única história verídica que aqui vai ser publicada, por isso optei por ocultar a identidade dos intervenientes. Não é um mito urbano, passou-se com alguém que conheço e tenho a certeza que tudo é verdade... Gr8shag.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O fim

Era de noite. Uma calma noite de Verão. Uma rapariga passeava junto da praia. Não devia ter mais de quinze anos. Ela e o namorado tinham acabado, e ela sentia-se triste. O som do mar acalmava-a. Ao andar pensava em tudo o que tinha vivido com ele. O primeiro namorado. O primeiro beijo. O primeiro amor... Todas aquelas manhãs na paragem... E agora... Tinha chegado o fim...

O mar... Será que o mar tem fim?... - perguntou-se.

Largou as sapatilhas que cairam com um baque na areia. As calças deslizaram. A blusa foi arrancada... Olhou para o seu corpo. O corpo onde "ele" tocara vezes sem conta.

Um passo.

Outro.

Outro.

A água estava fria...

Outro passo.

Uma lágrima...

Outro passo...

... o último....

by: Triguinha

(para o Gil...)



Algures em Junho...

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Tu morreste eu nasci...

Sinto um arrepio quando o calor das tuas gotas de teu sangue me caiem no corpo e me queimam e jorram em todas as direcções, pintando o ambiente de encarnado vivo. Esse vivo que assinala a tua morte.
Ao ver-te resfriar nos meus braços, sinto um alívio inconfortável, porque acabáste e não me voltas a fazer o que fizeste.
Um mundo novo abre-se para ti, um mundo novo abriu-se para mim…
Tu morreste, eu nasci!

sábado, 19 de abril de 2008

Do Medo à Morte

Cerca de dois anos depois da morte de seu marido, Lúcia decide voltar a olhar para a vida com felicidade, muito por força da sua amiga de sempre, que a convidava frequentemente para sair consigo e com o seu marido para tomarem um copo. Lúcia sempre recusava porque sentia-se mal, tudo aquilo a fazia-a recordar o seu marido, e os momentos que passava com ele, mas naquele dia resolveu aceitar e sair. A sua amiga tinha-se divorciado, e agora, Lúcia sentia-se na obrigação de a ajudar, e convidou-a para sair, iam ao sítio que ela tantas vezes a tinha convidado para ir mas que sempre recusou. Jorge, o ex-marido de Vera, a sua amiga, sempre pareceu uma pessoa muito afável, inofensivo e bastante calmo, mas desde o divórcio, que andava a ameaçar Vera, jurava fazer a sua vida num inferno e tirar-lhe tudo o que tinha. Lúcia avisava a sua amiga que tinha de apresentar queixa, pois aquilo era grave e que ele poderia fazer-lhe realmente mal…
Depois de Vera ter apresentado queixa, as ameaças continuavam, mas desta vez eram mais agressivas e passavam também a envolver Lúcia.
Na manha seguinte, Lúcia acorda com o toque aflito do seu telemóvel, do outro lado, vem uma notícia, Vera teria sido morta à porta de casa, um corpo parcialmente degolado era encontrado à porta de sua casa, por isso Lúcia deveria ir à morgue para fazer o reconhecimento do corpo…
Lúcia sentada na cama, deixa cair o telemóvel no seu colo e chora durante horas, chora até ficar sem fôlego, pois também agora teme pela sua vida…
Já na morgue, olha a medo mas verifica que realmente o corpo pertencia a Vera, afinal, não era de esperar outra coisa, depois de todas aquelas ameaças contínuas de que a sua amiga foi vítima. Apesar de não ter provas conclusivas, era pouco provável que outra pessoa teria morto Vera, por isso voltou a queixar-se à polícia, desta vez alegava que a próxima seria ela, e baseava-se nas ameaças que ele lhe tinha feito. O medo de que lhe pudesse acontecer algo de semelhante, percorria-lhe o corpo à velocidade do sangue. Poucos dias depois, num fim de tarde, quando chega a casa após mais um dia de trabalho, entra e curiosamente não é recebida alegremente pelo seu gato que se costuma esfregar nas suas pernas enquanto ronrona de mimo, por isso apercebeu-se que algo não estava bem, ou apenas poderia ser da sua cabeça, e o gato poderia ter saído pela janela por isso não estava em casa, pousa as chaves na mesa da sala de estar e vai em direcção da cozinha para beber alguma coisa enquanto se tenta libertar do portátil que já lhe pesava no ombro. Nisto depara-se com um vulto escuro à sua frente, era ele.
Aterrorizada, recua alguns passos para traz tremendo, enquanto ele se dirige para ela com uns passos pesados que parecem abanar a casa. Ela encosta-se à mesa, Jorge debruça-se sobre ela que estremece toda assim que sente a sua barba a picar-lhe a cara. Jorge cheira-lhe o cabelo e suspira de prazer, ao ouvido de Lúcia sussurra:
- Queres que te faça o que fiz ao Carlos? – Com um empurrão ela atira-o para o chão.
- Viste o que aconteceu à Vera? E a ele? É o que acontece ás pessoas que se metem no meu caminho… – Diz Jorge a rir-se!
Ela desesperada pergunta:- Que mal é que eles te fizeram?
- És muito burra! Os cornos tapam-te os olhos?
Sem demora, avança para ele com a chave bem apertada na mão, e espeta-lhe no pescoço com toda a força que tinha, antes de a tirar, roda-a e pressiona mais um bocado, depois fica com prazer a olhar para ele enquanto ficava pálido e se esvaía em sangue!

segunda-feira, 31 de março de 2008

Lenda das Unhas do Diabo

Era uma vez um escrivão, natural de Ponte de Lima, vila muito antiga, lá para os lados do amigo Nilson, banhada pelo rio Lima, ali atravessado por uma elegante ponte de pedra, obra dos romanos, cujas sandálias imperiais lhe pisaram as lajes, depois continuada por outros povos, já em tempos medievos. O escrivão era odiado e temido. Desonesto em extremo, sórdido usurário, mostrava-se sempre capaz de falsificar documentos importantes em seu proveito; de empurrar para a ruína os seus clientes; de seduzir inocências e difamar quem vivia livre de qualquer suspeita, enfim, não muito diferente de certas pessoas, que vivem nos dias de hoje. Um dia, o bronze dos sinos da vila começaram a dobrar, tristes e lentos. Morrera o escrivão. Mas, antes de fechar os olhos, quis ele comprar a consideração e o desgosto dos seus conterrâneos, fingindo-se arrependido dos seus actos condenáveis, comungando e recebendo a extrema-unção das mãos ingénuas de um sacerdote. A falsidade desta atitude, todavia, não convenceu e comoveu ninguém. E, nem o cangalheiro lhe forneceu o caixão, nem o coveiro se dispôs a abrir-lhe a sepultura. Apenas os frades franciscanos do Convento de Santo António tiveram a piedade de dar-lhe um enterro cristão, recolhendo o corpo, entre círios devotos, no chão de uma das capelas da igreja, colocando-lhe, por cima, o peso de uma laje funerária. Após a cerimónia simples, os bons dos frades regressaram à humildade das celas, para as orações e o sono. Porém, mal soaram as badaladas da meia-noite, no relógio da torre, eis que três fortes argoladas na porta da igreja acordaram toda a comunidade. E os frades correram, aflitos, para saberem quem lhes rogava auxílio em horas tão tardias. Deparou-se-lhes, então, no limiar, um cavaleiro muito alto e muito magro, de olhos coruscantes, envolto numa espessa capa negra. Confessava-se parente chegado do escrivão e vinha procurar-lhe a campa, para uma prece. Indicaram-lhe os frades a capela e o túmulo. Em passos ligeiros e cavos, como se, em vez de pés, possuísse os cascos escuros de um bode, o desconhecido aproximou-se do lugar onde haviam enterrado o escrivão. Então, com uma força sobrenatural, e para pasmo dos frades, ergueu, com as duas mãos, a pedra que ocultava o caixão e arremessou-a para o centro da igreja, como se ela fosse, tão só, um leve feixe de penas! Depois, tomou um cálice do altar da capela, e, sobre ele, inclinou a boca gelada do escrivão. Com um murro violento nas costas do defunto, obrigou-o a vomitar, sobre o cálice, intacta, a hóstia consagrada que o hipócrita havia sacrilegamente engolido antes de falecer. O espanto dos frades aumentou em vista deste prodígio. Mais, ainda, quando o estranho cavaleiro, em que reconheciam, persignando-se, a presença do Diabo, arrebatou o corpo inerte do escrivão e, com ele, fugiu por uma das janelas da igreja, partindo-a em mil pedaços de vidros coloridos, e sumindo-se na noite. Sim, o desconhecido era, de facto, o Diabo em pessoa, que viera buscar, para o seu Reino das Trevas, a alma pecadora do escrivão. Foi com extrema dificuldade que os frades levaram a laje para fora do convento, deixando-a abandonada à curiosidade e terror do povo que, nela, pode distinguir, bem nítidas, as unhas poderosas do Diabo.

domingo, 30 de março de 2008

O Tesouro - Eça de Queirós

Os três irmãos de Medranhos, Rui, Guanes e Rostabal, eram então, em todo o Reino das Astúrias, os fidalgos mais famintos e os mais remendados.Nos Paços de Medranhos, a que o vento da serra levara vidraça e telha, passavam eles as tardes desse Inverno, engelhados nos seus pelotes de camelão, batendo as solas rotas sobre as lajes da cozinha, diante da vasta lareira negra, onde desde há muito não estalava lume, nem fervia a panela de ferro. Ao escurecer devoravam uma côdea de pão negro, esfregada com alho. Depois, sem candeia, através do pátio, fendendo a neve, iam dormir à estrebaria, para aproveitar o calor das três éguas lazarentas que, esfaimadas como eles, roíam as traves da manjedoura. E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.Ora, na Primavera, por uma silenciosa manhã de domingo, andando todos três na mata de Roquelanes a espiar pegadas de caça e a apanhar tortulhos entre os robles, enquanto as três éguas pastavam na relva nova de Abril, os irmãos de Medranhos encontraram, por trás de uma moita de espinheiros, numa cova de rocha, um velho cofre de ferro.Como se o resguardasse uma torre segura, conservava as suas três chaves nas suas três fechaduras. Sobre a tampa, mal decifrável através da ferrugem, corria um dístico em letras árabes. E dentro, até às bordas, estava cheio de dobrões de ouro!No terror e esplendor da emoção, os três senhores ficavam mais lívidos do que círios. Depois, mergulhando furiosamente as suas mãos no ouro, estalaram a rir, num riso de tão larga rajada que as folhas tenras de olmos, em roda, tremiam... E de novo recuaram, bruscamente se encararam, com os olhos a flamejar, numa desconfiança tão desabrida que Guanes e Rostabal apalpavam nos cintos os cabos das grandes facas. Então Rui, que era gordo e ruivo, e o mais avisado, ergueu o braço, com um árbitro, e começou por decidir que o tesouro, ou viesse de Deus ou do Demónio, pertencia aos três, e entre eles se repartiria, rigidamente, e pesando-se o ouro em balanças. Mas como poderiam carregar para Medranhos, para os cimos da serra, aquele cofre tão cheio? Nem convinha que saíssem da mata com o seu bem, antes de cerrar a escuridão. Por isso, ele entendia que o mano Guanes, como mais leve, devia trotar para a vila vizinha de Retortilho, levando já ouro na bolsinha, a comprar três alforges de couro, três maquias de cevada, três empadões de carne e três botelhas de vinho. Vinho e carne eram para eles, que não comiam desde a véspera; a cevada era para as éguas. E assim refeitos, senhores e cavalgaduras, ensacariam o ouro nos alforges e subiriam para Medranhos, sob a segurança da noite sem lua.— Bem tramado! — gritou Rostabal, homem mais alto que um pinheiro, de longa guedelha, e com uma barba que lhe caía desde os olhos raiados de sangue até à fivela do cinturão.Mas Guanes não se arredava do cofre, enrugado, desconfiado, puxando entre os dedos a pele negra do seu pescoço de grou. Por fim, brutalmente:— Manos! O cofre tem três chaves... Eu quero fechar a minha fechadura e levar a minha chave!— Também eu quero a minha, mil raios! — rugiu logo Rostabal.Rui sorriu. Decerto, decerto! A cada dono do ouro cabia uma das chaves que o guardavam. E cada um em silêncio, agachado ante o cofre, cerrou a sua fechadura com força. Imediatamente, Guanes, desanuviado, saltou na égua, meteu pela vereda de olmos, a caminho de Retortilho, atirando aos ramos a sua cantiga costumada e dolente:Olé! Olé!Sale la cruz de la iglésiaVestida de negro luto...Na clareira, em frente à moita que encobria o tesouro (e que os três tinham desbastado a cutiladas) um fio de água, brotando entre rochas, caía sobre uma vasta laje escavada, onde fazia como um tanque, claro e quieto, antes de se escoar para as relvas altas. E ao lado, na sombra de uma faia, jazia um velho pilar de granito, tombado e musgoso. Ali vieram sentar-se Rui e Rostabal, com os seus tremendos espadões entre os joelhos. As duas éguas retouçavam a boa erva pintalgada de papoulas e botões-de-ouro. Pela ramaria andava um melro a assobiar. Um cheiro errante de violetas adoçava o ar luminoso. E Rostabal, olhando o Sol, bocejava com fome.Então Rui, que tirara o sombrero e lhe confiava as velhas plumas roxas, começou a considerar, na sua fala avisada e mansa, que Guanes, nessa manhã, não quisera descer com eles à mata de Roquelanes. E assim era a sorte ruim! Pois que se Guanes tivesse quedado em Medranhos, só eles dois teriam descoberto o cofre, e só entre eles dois se dividira o ouro! Grande pena! Tanto mais que a parte de Guanes seria em breve dissipada, com rufiões, aos dados, pelas tabernas.— Ah! Rostabal, Rostabal! Se Guanes, passando aqui sozinho, tivesse achado o ouro, não dividia connosco, Rostabal! O outro rosnou surdamente e com furor, dando um puxão às barbas negras:— Não, mil raios! Guanes é sôfrego... Quando o ano passado, se te lembras, ganhou os cem ducados ao espadeiro de Fresno, nem me quis emprestar três para eu comprar um gibão novo!— Vês tu? — gritou Rui, resplandecendo. Ambos se tinham erguido do pilar de granito, como levados pela mesma ideia, que os deslumbrava. E, através das suas largas passadas, as ervas altas silvavam.— E para quê — prosseguia Rui. — Para que lhe serve todo o ouro que nos leva? Tu não o ouves, de noite, como tosse? Ao redor da palha em que dorme, todo o chão está negro do sangue que escarra! Não dura até às outras neves, Rostabal! Mas até lá terá dissipado os bons dobrões que deviam ser nossos, para levantarmos a nossa casa, e para tu teres ginetes, e armas, e trajes nobre, e o teu terço de solarengos, como compete a quem é, como tu, o mais velho dos de Medranhos...— Pois que morra, e morra hoje! — bradou Rostabal.— Queres?Vivamente, Rui agarrara o braço do irmão e apontava para a vereda de olmos, por onde Guanes partira cantando:— Logo adiante, ao fim do trilho, há um sítio bom, nos silvados. E hás-de ser tu, Rostabal, que és o mais forte e o mais destro. Um golpe de ponta pelas costas. E é justiça de Deus que sejas tu, que muitas vezes, nas tabernas, sem pudor, Guanes te tratava de "cerdo" e de "torpe", por não saberes a letra nem os números.— Malvado!— Vem!Foram. Ambos se emboscaram por trás de um silvado que dominava o atalho, estreito e pedregoso como um leito de torrente. Rostabal, assolapado na vala, já tinha a espada nua. Um vento leve arrepiou na encosta as folhas dos álamos — e sentiram o repique leve dos sinos de Retortilho. Rui, coçando a barba, calculava as horas pelo Sol, que já se inclinava para as serras. Um bando de corvos passou sobre eles, grasnando. E Rostabal, que lhes seguira o voo, recomeçou a bocejar, com fome, pensando nos empadões e no vinho que o outro trazia nos alforgesEnfim! Alerta! Era, na vereda, a cantiga dolente e rouca, atirada aos ramos:Olé! Olé!Sale la cruz de la inglésia,Vestida de negro luto...Rui murmurou: — Na ilharga! Mal que passe! — O chouto da égua bateu o cascalho, uma pluma num sombrero vermelhejou por sobre a ponta das silvas.Rostabal rompeu de entre a sarça por uma brecha, atirou o braço, a longa espada — e toda a lâmina se embebeu molemente na ilharga de Guanes, quando ao rumor, bruscamente, ele se virara na sela. Com um surdo arranco, tombou ao lado, sobre as pedras. Já Rui se arremessava aos freios da égua — Rostabal, caindo sobre Guanes, que arquejava, de novo lhe mergulhou a espada, agarrada pela folha como um punhal, no peito e na garganta.— A chave! — gritou Rui.E arrancada a chave do cofre do seio do morto, ambos largaram pela vereda — Rostabal adiante, fugindo, com a pluma do sombrero quebrada e torta, a espada ainda nua entalada sob o braço, todo encolhido, arrepiado com o sabor do sangue que lhe espirrara com a boca; Rui atrás, puxava desesperadamente os freios da égua, que de patas fincadas no chão pedregoso, arreganhando a longa dentaduça amarela, não queria deixar o seu amo assim estirado, abandonado, ao comprido das sebes.Teve de lhe espicaçar as ancas lazarentas com a ponta da espada — e foi correndo sobre ela, de lâmina alta, como se perseguisse um mouro, que desembocou na clareira onde o sol já não dourava as folhas. Rostabal arremessara para a relva o sombrero e a espada, e debruçado sobre a laje escavada em tanque, de mangas arregaçadas, lavava, ruidosamente, a face e as barbas.A égua, quieta, recomeçou a pastar, carregadas com os alforges novos que Guanes comprara em Retortilho. Do mais largo, abarrotado, surdiam dois gargalos de garrafas. Então Rui tirou, lentamente, do cinto, a sua larga navalha. Sem um rumor na relva espessa, deslizou até Rostabal, que resfolegava, com as longas barbas pingando. E serenamente, como se pregasse uma estaca num canteiro, enterrou a folha toda no largo dorso dobrado, certeira sobre o coração.Rostabal caiu sobre o tanque, sem um gemido, com a face na água, os longos cabelos flutuando na água. A sua velha escarcela de couro ficara estalada sob a coxa. Para tirar de dentro a terceira chave do cofre, Rui solevou o corpo — e um sangue mais grosso jorrou, escorreu pela borda do tanque, fumegando.Agora eram dele, só dele, as três chaves do cofre!... E Rui, alargando os braços, respirou deliciosamente. Mal a noite descesse, com o ouro metido nos alforges, guiando a fila das éguas pelos trilhos da serra, subiria a Medranhos e enterraria na adega o seu tesouro! E quando ali na fonte, e além rente aos silvados, só restassem, sob as neves de Dezembro, alguns ossos sem nome, ele seria o magnífico senhor de Medranhos, e na capela nova do solar renascido mandaria dizer missas ricas pelos seus dois irmãos mortos... Mortos como? Como devem morrer os de Medranhos — a pelejar o Turco!Abriu as três fechaduras, apanhou um punhado de dobrões, que fez retinir sobre as pedras. Que puro ouro, de fino quilate! E era o seu ouro! Depois foi examinar a capacidade dos alforges — e encontrando as duas garrafas de vinho, e um gordo capão assado, sentiu uma imensa fome. Desde a véspera só comera uma lasca de peixe seco. E há quanto tempo não provava capão.Com que delícia se sentou na relva, com as pernas abertas, e entre elas a ave loura, que rescendia, e o vinho cor de âmbar! Ah! Guanes fora bom mordomo — nem esquecera azeitonas. Mas porque trouxera ele, para três convivas, só duas garrafas? Rasgou uma asa do capão: devorada a grandes dentadas. A tarde descia, pensativa e doce, com nuvenzinhas cor-de-rosa.Para além, na vereda, um bando de corvos grasnava. As éguas fartas dormitavam, com o focinho pendido. E a fonte cantava, lavando o morto.Rui ergueu à luz a garrafa de vinho. Com aquela cor velha e quente, não teria custado menos de três maravedis. E pondo o gargalo à boca, bebeu em sorvos lentos, que lhe faziam ondular o pescoço peludo. Oh vinho bendito, que tão prontamente aquecia o sangue! Atirou a garrafa vazia — destapou outra. Mas, como era avisado, não bebeu, porque a jornada para a serra, com o tesouro, requeria firmeza e acerto. Estendido sobre o cotovelo, descansando, pensava em Medranhos coberto de telha nova, nas altas chamas da lareira por noites de neve, e o seu leito com brocados, onde teria sempre mulheres.De repente, tomado de uma ansiedade, teve pressa de carregar os alforges. Já entre os troncos a sombra se adensava. Puxou uma das éguas para junto do cofre, ergueu a tampa, tomou um punhado de ouro... Mas oscilou, largando os dobrões, que retilintaram no chão, e levou as duas mãos aflitas ao peito. Que é, D. Rui? Raios de Deus? Era um lume, um lume vivo, que se lhe acendera dentro, lhe subia até às goelas. Já rasgara o gibão, atirava os passos incertos, e, a arquejar, com a língua pendente, limpava as grossas bagas de um suor horrendo que o regelava como neve. Oh Virgem Mãe! Outra vez o lume, mais forte, que alastrava, o roía! Gritou:— Socorro! Alguém! Guanes! Rostabal!Os seus braços torcidos batiam o ar desesperadamente. E a chama dentro galgava — sentia os ossos a estalarem como as traves de uma casa em fogo.Cambeleou até à fonte para apagar aquela labareda, tropeçou sobre Rostabal; e foi com o joelho ficando no morto, arranhando a rocha, que ele, entre uivos, procurava o fio de água, que recebia sobre os olhos, pelos cabelos. Mas a água mais o queimava, como se fosse um metal derretido.Recuou, caiu para cima da relva, que arrancava aos punhados, e que mordia, mordendo os dedos, para lhe sugar a frescura. Ainda se ergueu, com uma baba densa a escorrer-lhe nas barbas: e de repente, esbugalhando pavorosamente os olhos, berrou, como se compreendesse enfim a traição, todo o horror:— É veneno!Oh! D. Rui, o avisado, era veneno! Porque Guanes, apenas chegara a Retortilho, mesmo antes de comprar os alforges, correra cantando a uma viela, por detrás a catedral, a comprar ao velho droguista judeu o veneno que, misturado ao vinho, o tornaria a ele, a ele somente, dono de todo o tesouro.Anoiteceu. Dois corvos, de entre o bando que grasnava além dos silvados, já tinham pousado sobre o corpo de Guanes. A fonte, cantando, lavava o outro morto. Meio enterrada na erva negra, toda a face de Rui se tornara negra. Uma estrelinha tremeluzia no céu.O tesouro ainda lá está, na mata de Roquelanes.

segunda-feira, 17 de março de 2008

O Acidente

Quando os meus pais me disseram que íamos mudar de casa, fiquei muito contente, pois assim podia fazer novos amigos, melhores do que os que tivera até aqui, que na verdade não passavam de colegas.

Tudo corria bem, fiz amigos, os professores pareciam gostar de mim, e até andava com um rapaz muito popular na turma! Tudo dava certo!

Ou melhor, quase tudo. Os meus pais achavam que o rapaz de quem eu gostava não era “maturo o suficiente para namorar comigo”. Sinceramente, eu tinha feito tanto para conseguir ser popular, e eles estragavam tudo!

Mas mesmo assim, continuei a andar com ele.

Um dia, ele convidou-me para irmos comer uma pizza, ir a uma festa, e acabar a andar de carro há meia-noite. Sabia que os meus pais nunca me iam deixar ir, e então inventei algo que não era completamente mentira: disse que ia a uma festa.

Saí, e sentia-me feliz por estar com ele, mas ao mesmo tempo triste por ter mentido aos meus pais. Mas afinal, que mal teria uma pizza, uma festa, e um passeio com a lua?

A pizza correu bem, e a festa maravilhosamente, até que chegou a hora da viagem de carro.

Ele tinha bebido talvez um pouco demais, e não partimos sem ele ter fumado um maço inteiro de tabaco.

Eu nem queria acreditar no que ele estava a fazer!

Por fim, partimos, e eu não pensava sequer que ele podia estar demasiado bêbado para conduzir.

Eu não parava de pensar que talvez os meus pais estivessem certos, talvez ele fosse muito imaturo… Como é que eu alguma vez pudera ser tão estúpida!

Até que lhe disse: “Por favor, leva-me para casa.”

Mas ele não me ligou, e acelerou ainda mais. Numa questão de segundos, íamos depressa demais.

Percebi que estava em perigo.

“Por favor, deixa-me ir para casa! Eu confessarei que menti. Que naverdade vim para um passeio ao luar!”

De repente, vi um clarão.

“Vamos chocar! Por favor, Deus, ajuda-nos!”


Não me lembro da força do impacto. Apenas sei que me moveram, e ouvi uma voz dizer:

“Chamem uma ambulância, estas crianças estão em perigo!”

Vozes… Algumas palavras… Mas eu sabia que estavam dois carros envolvidos no acidente. Questionei-me se ele estaria bem, assim como as pessoas do outro carro.

Acordei no hospital, e todos à minha volta tinham expressões tristes.

“Tu tiveste um acidente, e as coisas ficaram realmente más.”

As vozes soavam dentro da minha cabeça, mas ouvi perfeitamente quando disseram que ele tinha morrido.

Disseram-me: “Fizemos tudo quanto pudemos para os salvar. Não conseguimos. E achamos que também te vamos perder.”

“E as pessoas do outro carro?” – perguntei

“Desculpa! Eles também morreram.”

Então rezei:

“Deus, perdoa-me pelo que fiz. Eu apenas queria algumas horas de diversão.”

E disse à enfermeira: “Diga às famílias destas pessoas que a culpa é minha, e que gostaria de lhes poder devolver as pessoas que perderam.”

“Diga aos meus pais que eles estavam certos, e que devia tê-los ouvido.” Faz isso, enfermeira?

A enfermeira não me respondeu, mas agarrou as minhas mãos, e ficou assim, até que pouco tempo depois morri.


Um médico que estava na sala perguntou à enfermeira porque é que ela não fazia os possíveis para cumprir o meu último desejo. A enfermeira respondeu:

— Porque as pessoas do outro carro eram os pais dela..



Em homenagem a Jenny, a rapariga da história. É uma história verdadeira, eu apenas a apanhei, traduzi, e escrevi na primeira pessoa.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Viagem com Destino à Morte

Liguem o som. Vale a pena!




Catched by: Triguinha

quarta-feira, 12 de março de 2008

Morte

Morte...

O que é afinal a morte?

Um vulto encapuçado, com uma foice na mão?

Ou o esqueleto com a foice?

Será simplesmente o fim a vida?

Ou será que a vida continua depois da morte?

Porque é que as pessoas morrem?

Porque será que morreste?

E porque será que eu continuo viva?


Mas... Eu posso não continuar viva....

Há uma maneira....

Esta faca é afiada...

E se eu...


By: Triguinha

terça-feira, 11 de março de 2008

O Canto do Passarinho




Voou pelo céu um passarinho

direito a ti.

Pousou nos teus cabelos negros

que flutuavam na água.

E cantou.


Cantou a mais bela das suas melodias.

Porque afinal,

Tinhas morrido.

By: Triguinha

sábado, 12 de janeiro de 2008

A morrer até á morte


Eram um grupo de amigos, deviam de ser quase dez ao todo. Reuniam-se quase todos os dias, no mesmo sítio depois de saírem do emprego para se divertirem, nunca eram menos de cinco na mesma mesa. Quase sempre ficavam até o bar fechar, bebiam, riam, falavam, faziam tudo o que lhes apetecesse. Maioritariamente eram casais, mas havia outros que, ou não tinham par, ou estavam separados temporariamente por diversas circunstâncias. Apesar de fazerem muitas coisas juntos parecia que nunca se cansavam uns dos outros.Dava uma impressão, que estavam viciados uns pelos outros, se calhar porque os gostos eram idênticos.Esta enorme relação de amizade foi perdurando durante bastante tempo, até que de tanto convívio, Carlos apaixona-se por Sara.Carlos era solteiro, livre de preocupações. Já Sara namorava com Miguel. Sara era morena, cabelo frisado, linda de morrer, o tipo de mulher que qualquer roupa, qualquer adereço ou qualquer penteado fica a matar. Tinha perto de um metro e setenta, tudo no sítio como se costuma dizer. Apesar de ter uma mentalidade forte, por vezes agressiva, lá no fundo era doce e sensível. Como era muito tímido, Carlos não assumiu o seu amor por Sara, muito por causa de Miguel ser uns dos seus melhores amigos, mas também porque nunca poderia dar-lhe o que ele lhe dava., pelo menos não naquele momento da sua vida.- Ambos são muito apaixonados, é raro velos a discutir, e namoram à muito tempo. – Pensava Carlos vezes sem conta – apesar de me sentir apaixonado por ela, não conseguia viver totalmente feliz com ela depois de arruinar uma coisa tão bonita.Começou a partir daí a viver com aquele sentimento enclausurado no peito, sentimento que recusava piamente em atirar cá para fora. Ás vezes dava por si a pensar no termo da relação entre Sara e Miguel, principalmente nas raras vezes que eram apanhados a discutir, mas voltava a si, e, sentia-se mal no próprio corpo. Se ela desse um primeiro passo, ou mostrasse um pequeno interesse por ele, talvez pudesse arriscar, se isso não acontecesse então estava fora de questão ele saber de alguma coisa. Começou a namorar com uma rapariga que conhecera enquanto esperava pelo comboio. Chamava-se Cátia, era muito diferente de Sara, tinha o cabelo loiro e liso, mas curto, tal como a Scarlett Johansson, no filme “O amor é um lugar estranho” um pouco mais baixa que ela, assim poderia esquece-la e partir para outra. Começou a sair com o grupo de amigos de Carlos, mas cedo apercebeu-se que ele quando estava perto de Sara não lhe dava muita atenção, parecia ser outro. Ele desculpava-se dizendo que como eram amigos à muito tempo, todos no grupo tinha muita intimidade e faziam aquele certo tipo de coisas como demonstração de carinho mutuo. Ela “engolia” por estar apaixonada por ele. Umas semanas depois, farto de estar a enganar a namorada, Carlos acabou a relação, e continuou a sua árdua tarefa sozinho. Tarefas mais uma vez complicada, quando, durante uma “reunião”, surgem boatos de quebra de namoro. Uns rumores afirmam que Sara encontrou uma conversa de Miguel ao telemóvel, outros juram que ela lhe tinha mentido sobre algo, apesar de nada ser concreto, Carlos começa a imaginar-se junto dela para sempre... Nisto pensa como apareceria nas ”reuniões” de mão dada com ela. Talvez poderiam pensar que ele já estava de “olho” nela antes de acontecer a não confirmada separação. Não havia de ser uma mentira total, ele já andava com ela no pensamento, e até já parecia “o primeiro beijo” de Rui Veloso, “de estar mesmo a traz de ti...sei de cor o teu cabelo, sei o champô a que cheiras”, pouco faltava para não comer e não dormir.Três, talvez quatro dias depois, ela aparece sozinha no bar, com uma cara bastante abalada, e um sorriso que não tinha nada de feliz. As horas passam impiedosas, e nenhuma conversa sobre Miguel e Sara veio à baila, começa a fazer-se tarde para alguns que dali a uma horas iam pegar ao serviço, outros apenas estavam cansados, começavam a render-se ao sono e quase desfaleciam em cima da mesa. Dos primeiros cinco, agora já só restavam dois, por ironia, seria destino talvez, quem ficava naquela mesa eram Sara e Carlos.O bar fechava as três horas e já eram sete e pouco, as conversas que estavam a ter sem qualquer motivo aparente, tinha-lhes chamado à atenção, e estavam colados à horas naquilo. Saíram os dois juntos por já estarem ali a empatar os funcionários que queriam fechar o bar e ir as suas vidas.Já ligeiramente embriagados entram para o carro de Carlos, pois sara não tinha carro nem carta de condução. Ele queria deixa-la em casa como cavalheiro que era. Chegados lá, ainda nem sete e meia deveriam ser, continuaram nas conversas banais até perto das oito, quando Carlos se lembra de irem para a praia. Foram pela auto-estrada até à foz, pois planeavam ir para o Castelo do Queijo, mas pararam na avenida da Boavista mesmo por baixo do edifício da SIC, porque ele já não conseguia conduzir mais devido à sua embriaguez, alem disso começava a adormecer. Num momento irreflectido, ela beijou-o, todo o sono desapareceu, a bebedeira passou, mas não foi por isso que ficou sóbrio, pois começou a flutuar, parecia estar deitado nas nuvens ou talvez naqueles colchões novos que fazem massagens e nos fazem querer que tudo à nossa volta é simples, e lindo como os episódios da Heidi. Mais uma vez a música do Rui Veloso aqui se aplica na perfeição, mas a língua dela não sabia à flor do jasmim, muito menos a mentol, sabia a whisky, a vodka, absinto e a mais de uma dezena de bebidas, mas isso não foi o que o fez recuar. Durou apenas dez segundos, mas para ele parecia ter durado para sempre.No dia seguinte Carlos queria saber se aquele beijo tinha algum significado, algo que dissesse se ela sentia algo mais do que a amizade profunda que ele julgava ela ter por ele. Ou se foi um gesto inconsciente e premeditado, gesto ajudado por uns copos que passavam da conta, ou simplesmente dos que ela conseguisse aguentar. Apenas queria confirmar se o simples e banal beijo, que para ele seria o início de uma bela história de amor sem igual, nem mesmo comparável aos dos filmes de romance que marcaram e continuam a marcar gerações, como Grease ou como os contos infantis em que todas as princesas e todos os principies ou cavaleiros vivem felizes para sempre, era real.Mas quando chegou ao bar, mais uma vez depois de vir do emprego, encontra a Sara e o resto dos amigos incluindo Miguel, ai, nesse instante e numa fracção de segundos fraquejou, e pensou porque é que teriam de aparecer todos hoje.Logo toda a coragem que tinha tomado durante toda a noite resfriou, e encolheu-se num secreto e misterioso silêncio. Mais tarde ela reparou que ele estava a olhar fixamente para ela como que se estivesse a lê-la com muita atenção, com a atenção que os fanáticos do futebol lêem as notícias do desporto rei. Aí ela corou, baixou a cabeça, e esboçou um tímido sorriso.Esse sorriso teve um impacto muito grande nele, um sorriso talvez inocente que ele levou a mal, pois pensou que ela o estaria a usar quando o beijou, e não estaria carente como ele pensou. Carlos sentia-se um rebotalho, um homem de ocasião, homem que ela usaria sempre que estivesse mal ou talvez só por diversão. Seria ela uma quimera, e não o anjo que ele pensava ser? A cabeça dele começava a ficar cada vez mais baralhada, ainda não tinha esclarecido umas questões, já tinha mais uns quantos quebra-cabeças a entupi-lo. Umas poderiam ser parvas, outras nem tanto, mas para ele todas tinham um significado importante, todas ela faziam parte dum puzzle imaginário que ele estava empenhado em desvendar. Talvez por causa disso, e em legitima defesa, ou não queria ficar na ignorância, começou a gastar os seus dias a fumar charros como se tivesse de novo 16 anos, uns vinte e tal por jorna, talvez nem tanto, se calhar até mais. Começava-se a notar no seu aspecto desleixado, que alguma coisa não estava bem. Os amigos como começaram a abordá-lo com perguntas sobre o porquê daquela energia negativa que ele emanava do corpo. Ele reagiu com uma resposta abrupta do género “o que é que tens a ver com isso”, própria de alguém mais bronco e rude que não é doutrina dele.Como bons amigos que são, compreenderam a reacção e perdoaram sem sequer ficarem magoados e deram-lhe o espaço necessário para reflectir e resfriar a cabeça.Nisto, focado nos seus pensamentos, tal é a concentração que quase nem dá pelo toque de mensagem do seu telemóvel topo de gama, aquele que tanto queria mas já não lhe despertava interesse. Era uma mensagem de Sara, devido ao tão elevado consumo da “cena” quase de certeza que não percebeu bem a mensagem, mas o “vem ter comigo à estação ás 17 horas” ele percebeu perfeitamente, tão perfeitamente que ainda faltavam cerca de duas horas e ele já estava a correr para casa para se produzir todo para ela.Depois de um banho, encharcou-se em Paco Rabanne, calçou os seus ténis da Timberland que condiziam tão bem com o seu Tissot PRC200, uns jeans Lion of Porches, um cinto Levi’s e uma camisa Diesel, tudo para arrebatar de vez o coração de Sara. Quando chegou a hora do encontro, ele que já lá estava à quase meia hora suava como se estivesse numa sauna, ela pontual como sempre chega dois minutos antes da hora combinada, entrou a matar com um vestido extremamente justo e curto da nova colecção da Denny Rose, vestido esse que nunca irá sair da cabeça dele, preto, com um decote acentuado com lábios vermelhos, cinzentos e corações brancos estampados.Quando ela se aproximou para o cumprimentar, impávida, e com uma serenidade sem igual, ele fraquejou, quase se esquecia de respirar. Ela foi directa ao assunto, e convidou-o para ir ajudá-la a comprar uma prenda para o Miguel. Ele, com tanta atribulação, até se tinha esquecido dos anos do seu melhor amigo, ou então não se lembrou.Ela queria aproveitar o facto de Miguel estar em Espanha numa largada de Pombos Correio, para preparar uma festa para a ocasião, e para lhe comprar uma prenda.O desejo de a abraçar e de a beijar que pulsava dentro dele foi-se acalmando, ele de rastos e sem olhar para ele acenou com a cabeça num sinal positivo. Ela apertou o cinto e pôs-lhe a mão no joelho, baixou a cabeça e olhou em, direcção dele. Ele sem levantar a cabeça, olhou para a mão no seu joelho e logo de seguida para ela, aquele verniz encarnado que tão bem ficava nas umas fortes e tratadas que cresciam mas suas poderosas e místicas mão tivera para ele, um sabor diferente, e fizeram-lhe soltar um tímido sorriso. Apetecia-lhe rebentar e dizer-lhe em altos berros para que toda a gente ouvisse o quanto a amava e a queria só para ele como uma criança egoísta que não partilha o seu Action Man favorito, que desejava acordar e vê-la sempre em primeiro plano. Viver feliz com ela como se tratassem de uma família de anúncio de televisão, mas em vez disso, soltou um pouco sonoro e convincente “onde preferes ir”.Ela apontou a Fnac ou a Bertrand, pois queria comprar um livro do qual Carlos falava muito e dizia ser bom, durante o caminho Sara falava pelos cotovelos mas Miguel Sá acenava com a cabeça ou gemia fracos “sim” ou “não”.Primeiro decidiram visitar a Bertrand, e qualquer movimento que ela fizesse, ele pensava ser de propósito, e quase trepava pelas paredes. Já durante a visita à Fnac, ele não aguentou e beijou-a com uma sede de quem encontra uma limonada no deserto, quando a largou, passou-lhe por instantes a visão de ele a arrancar-lhe a roupa com os dentes e beijar-lhe o corpo todo sedento de prazer, mas mais uma vez acalmou-se e o controlo foi tão bem sucedido que só lhes restou dizer desculpa.Ela pegou no primeiro livro que encontro, correu para a caixa para pagar e logo de seguida para o balcão informações e pediu para embrulhar. Durante o processo de embrulho, ele tentou abordá-la, ela repudiou qualquer conversa, e com um gesto de mão na cabeça disse estar com uma grande enxaqueca. Sem mais delongas foram para casa e nenhuma boca foi aberta para que algo fosse dito, nem se quer quando chegaram a casa de Sara se despediram, um simples “té já” chegou para selar aquela tarde de incógnitas.Já em casa envolto nos seus pensamentos, chegou a uma conclusão que poderia estar certa, mas não se podia por de parte a hipótese de ser uma verdadeira barbaridade, sempre que eles se beijavam, para ele era a melhor coisa que alguma vez lhe tinha acontecido, cada um era culpado por milhões de sonhos lindos que ele tinha sempre que se ia deitar. Ele começava a ter impressão que ela só ainda não tinha percebido que ele gostava dela, porque se calhar não lhe convinha.Logo a seguir ao beijo, ela fugia do assunto, nem lhe tocava sequer, era como se nunca nada tivesse acontecido, mas não era só isso que o magoava mais, ele tinha a impressão que ela não tinha interesse nele, porque ele era mais novo, ou não lhe podia dar o nível de vida que Miguel lhe dava. Mas apesar disso o amor dele por ela continuava a ser cego, e ela continuava a significa algo inexplicável para ele, era o mais perto do Paraíso que alguma vez ele esteve ou estará.Ai adormeceu, sem que nenhuma resposta conclusiva o tivesse satisfeito.Acordou sobressaltado, a pensar somo seria acordar sem se lembrar de todos estes problemas, fraco, tatuou no braço a frase “Faz-me sentir homem entre todos os homens, eu faço-te ser o essencial para mim, aquela que vou amar.” Voltou para casa e voltou a adormecer, todo o seu sistema imunitário estava enfraquecido. Nesse dia mais tarde, foi ao café da sua rua, tomou uma italiana para ver se acordava, comeu uma tosta mista, voltou a casa, lavou a cara vezes sem conta, não conseguia disfarçar aquelas olheiras que lhe escureciam o rosto outrora claro. Meteu-se na banheira cheia de água e sais de banho, relaxou enquanto lia um livro já à muito esquecido na sua cabeceira. Como ego em afundar-se em direcção ao centro da terra, mas mais relaxado, lê uma mensagem no telemóvel a convidá-lo para ir ao bar, que iria estar lá a malta toda, para a festa de anos de Miguel. Enquanto escrevia a resposta para o amigo, tocava a sua campainha do seu apartamento, um misto de admiração e surpresa preencheram-no, quando viu no seu vídeo porteiro Sara e Miguel, pegou no auscultador e enquanto lhes abria a porta, pedia que subissem. Quando chegaram a cima, Carlos, ainda enrolado ma toalha, deu os parabéns ao melhor amigo, enquanto o abraçava, e ele agradecia o livro, que ambos lhe tinham oferecido, Carlos cumprimenta com os habituais beijos na face, e convida-os para sentar.Abordado com a questão se ia ou não à festa de anos, Carlos deu a mesma resposta que enviou na mensagem, ou seja, “não”. Miguel disse que ficaria sentiu se ele não fosse, e que a festa não seria a mesma sem ele. Carlos disse que compreendia mas eu estava indisposto e que não tencionava sair de casa. Nisto, um gesto mais brusco expõe a tatuagem com a inspirada frase, que faz Sara sentir arrepio pela espinha a cima, talvez teve a pressão que era dirigida a ela, mas não fez nenhum comentário fechou-se em copas. Apesar de se ter apercebido que aquela “mensagem” tinha um significado, rejeitou entender, ou admitir que era dirigida a ela, e que dizia que sempre que ela o olhava, o fazia sentir crucial para ela, aquela que ele ia amar independentemente de todas as adversidades que a vida traz, aquela que dizia para ela ficar ao lado dele até sempre, para sempre. Sem duvida teve noção que aquela frase significava um ponto de ebulição, naquele momento qualquer pessoa normal, queria correr, fugir dali para fora sem local ou previsão de chegada. Ele não queria perceber os pássaros, voar como o Jardel outrora voava sobre os centrais, nem saber porque dão seda os casulos, apenas queria ver as suas duvidas resolvidas, queria ter a certeza se ela o amava mesmo, ou não. Apesar de ela não lhe ter dado muitas esperanças, também não lhe tinha dito que todos os beijos e aqueles movimentos suspeitos eram coisas sem importância que não deveriam ser levados a sério, poderia lhe ter dito que só queria uma aventura, ou que estava confusa e que procurava um caminho. Quando Sara e Miguel foram embora, Carlos foi direitinho para a cama e uma enorme angústia obrigou-o a adormecer. No dia seguinte por volta das 3 da tarde, abriu o seu mail, e no meio das newsletters, encontrava uma mensagem madrugadora de Miguel enviada as 11 horas da manhã. Dizia que queriam encontrar-se com ele no bar de sempre para lhe dar ama suposta grande notícia. Carlos chegou cedo, cedo de mais ate para uma pessoa muito pontual que ele era, Sara e Miguel chegaram radiantes, com um sorriso enorme e quase patético em suas caras, um sorriso de adolescentes apaixonados. Sentaram-se assim que o cumprimentaram, ela estava corada e não para de rir, ele nervoso mas sorridente também, convidava-o para entrar num buraco negro, convidava-o para ser padrinho do casamento dos dois. Sentiu a garganta a arder como se tivesse bebido fogo, mas o pior estaria para vir, queriam também que ele fosse padrinho do filho que estavam à espera.Sara estava grávida de Miguel.Aqui estava a resposta, já nada mais era um enliço, tudo estava claro. Naquele momento tinha acabado de perder uma coisa que nunca tinha sido dele.Saiu correndo, correu tudo o que tinha para correr.- E agora? – Pensava Carlos?Nisto começa a perder a visão e a suar em bica, tudo parece andar à sua volta, Carlos perde os sentidos e desfalece.Dias depois, quando chegam a casa do funeral de Carlos, Sara recebe uma carta do hospital, o seu filho não era também filho de Miguel, mas sim filho de Carlos, aí apercebeu-se que amava Carlos, e que nunca tinha notado a presença do homem da sua vida, mesmo estando ele a milímetros dela. Ela tinha uma ligeira desconfiança sobre a paternidade da criança, por isso fez o teste no dia seguinte à morte do seu amigo. Foi para o quarto, e perante uma tão forte dor, nem forças tinha para chorar, ou então já tinha chorado tudo na cerimónia fúnebre de Carlos. Miguel, que tinha levado o carro para a garagem, entra no quarto e vê a sua amada muito pálida, aborda-a na esperança de saber o que se passava, ela, pausadamente e a soluçar, dizia que estava nervosa com aquela situação da morte de Carlos e com a aproximação do casamento. Ele compreendeu acenando com a cabeça e disse que tinham de olhar para a frente e enfrentar a nova fase da vida deles, e que apesar de ter perdido o melhor amigo, ia ficar com a mulher que amava e confiava para toda a vida. Estas palavras ainda a deixaram pior, mas ela manteve-se forte e abraçou-o.Decidiram chamar à criança Carlos, em homenagem ao mologrado amigo.Para Sara, o pesadelo continuava, e carregava todo aquele peso nos seus ombros, porque ela haveria de ficar a morrer de amor até à sua própria extinção, pois estava talhado no seu destino que ira ter de carregar tal sentimento para o seu esquife.Esse sentimento que afinal seria um sarcoma que a iria atormentar sem descanso mesmo no profundo sono da eternidade. Sempre que olhava para o seu filho a brincar no baloiço à porta de casa, via Carlos. Cada movimento, o sorriso, a maneira de andar, tudo isso fazia-a sentia a sua fabulosa aura e sua energia positiva, por isso continuava de rastos, e isso era uma coisa muito poderosa que atropelava qualquer sentimento benigno. Lá no fundo sabia que ainda poderia revê-lo no seu filho, e isso era a única coisa que ainda a fazia sorrir por entre as lágrimas, pois estava ciente que, ficaria a morrer (de amor) até à morte.